domingo, 6 de outubro de 2013

Árcades Medos

Soaroir
 
 
Nesta difícil tarefa de ir do medo ao texto, ressabiado exumo os medos de outras cercanias, onde desde cedo fui assíduo freguês. Saudosos aqueles medos quando a pesca de piaba era feita com juquiá, diferentemente dos assombros que aqui vimos gritar. Os medos que lá consumíamos nos ajudavam a criar, arte, fantasias e sonhos que apenas restaram para contar. Aqueles bem-fazentes temores que nos deixavam mais contentes a cada despertar, não surgiam de assalto nem de bandos, tampouco de vizinhos que eram como se parentes.

Do boitatá e do saci foram os primeiros medos que consumi, depois o da mãe d’água, o da mula sem cabeça e o do lobisomem. Conforme ia crescendo, o medo outro rumo ia tomando até chegar nos fantasmas dos vivos conhecidos que morriam de velhice, que escondidos no escuro debaixo de nossas camas, faziam a gente correr pra nosso refúgio protetor, sob um amplo cobertor.

Tirando o bicho papão escondido no velho apagão, para demais temores sempre havia solução. Para o medo da inveja, mal olhado e quebranto a gente sempre se valia, além de muita oração, d´um banho de alecrim silvestre com folhas de guararema e ai, era o medo  quem se amedrontava.

Até mesmo os papa-fumos, que sobrevoavam as vertentes, me eram medonhos, quando, sob um sol escaldante que ainda não se temia, a gente ia buscar água para beber e dar de beber às cabras.

Da morte medo não havia, pois a coisa que se matava era a fome com taioba e mostarda brotadas do excremento que dos passarinhos caia. Outras coisas se compravam, não se roubava e vendia; o pecado da cobiça  e escassezes eram medos que ninguém lá conhecia.

Medos que mães sentiam eram da infância doençaria. Sarampo, febre alta e coqueluche que, para a proteção, recorriam aos chás das folhas de laranja da china e da cidreira, ao caldo de galinha e às benzedeiras; era com essa milagraria que as mães nos defendiam.  Dos venenos que mais elas temiam eram o da picada de cobra e o dos frutos que os filhos comiam, como arrebenta-cavalo e do mato outras porcarias.

Com os perigos bem vigiados e com o futuro por Deus garantido, o pior de todos os medos era o da vara de marmelo, quando boa coça se levava se em confusão a gente se metia. Meu mundaréu de medo de outrora não dou, nem vendo ou troco por este pavor de agora; por este ódio de gente que dispara a besteira da ganância e da vingança brutal, que nos vitima e nos responsabiliza por sua deformação ancestral, suas deficiências mental, ética e social.

Publicado com imagem em:
Pote de Poesias
e Ecos da Poesia

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