domingo, 6 de outubro de 2013

A Geografia do Medo

A última oportunidade do homem (EC)
Copyright Soaroir
Agosto 2/12

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"Árcades Medos"  http://serva-da-gleba.blogspot.com.br/2012/02/arcades-medos.html

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Pensava Bertrand ¹ em outro século que nosso mundo vivia demasiado sob a tirania do medo e que insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só poderia conduzi-lo à apatia da desesperança. Afirmava ainda que ao contrário, era preciso criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver; mais sentimentos afirmativos do que de negativos para que os afirmativos desagregassem os negativos e perdessem sua razão de ser. Caso contrário nunca sairiamos do desespero.

A gente vai se arranjando, mas em nossos dias seria irreverente aplicarmos tal filosofia. Embora, aparentemente, seja esta a que nos entucham os governantes através da mídia.

Basta olharmos, mesmo que de relance, “O Mapa da Violência 2012” ². Este ao que chamo de doméstico, já que nossos medos hoje vão muito além. Estamos bem próximos do desespero quando muito nos falam e nada se sabe das consequências dos agrotóxicos; da farmacologia;dos efeitos colaterais;do MERCOSUL, TLC, ALALC, ALADI ...; das indústrias nucleares e das represas dos rios, por exemplo.

Assim como o medo, também a esperança é inerente à preservação da espécie humana, por isso é que vamos em frente, driblando, arrazoando, mas só um irresponsável ou louco em nossos dias não beiraria a margem da apatia da desesperança.

Particularmente me apavora a falta de energia; estantes vazias; mãos sem pena e a E-poesia!  No mais, é entregar para Deus, o que fazem mesmo os agnósticos, pois só Ele, que embora tenha feito a Terra redonda, determinou um canto para cada um de nós e é nosso dever, independente de credo, nos alicerçarmos na Esperança.

 

¹ Bertrand Russell, Inglaterra
1872 // 1970 Filósofo, Matemático, Crítico social, Escritor

² http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php

(sem revisão)

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Geografia do Medo
Saiba mais. Conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/geografiadomedo.htm

Árcades Medos

Soaroir
 
 
Nesta difícil tarefa de ir do medo ao texto, ressabiado exumo os medos de outras cercanias, onde desde cedo fui assíduo freguês. Saudosos aqueles medos quando a pesca de piaba era feita com juquiá, diferentemente dos assombros que aqui vimos gritar. Os medos que lá consumíamos nos ajudavam a criar, arte, fantasias e sonhos que apenas restaram para contar. Aqueles bem-fazentes temores que nos deixavam mais contentes a cada despertar, não surgiam de assalto nem de bandos, tampouco de vizinhos que eram como se parentes.

Do boitatá e do saci foram os primeiros medos que consumi, depois o da mãe d’água, o da mula sem cabeça e o do lobisomem. Conforme ia crescendo, o medo outro rumo ia tomando até chegar nos fantasmas dos vivos conhecidos que morriam de velhice, que escondidos no escuro debaixo de nossas camas, faziam a gente correr pra nosso refúgio protetor, sob um amplo cobertor.

Tirando o bicho papão escondido no velho apagão, para demais temores sempre havia solução. Para o medo da inveja, mal olhado e quebranto a gente sempre se valia, além de muita oração, d´um banho de alecrim silvestre com folhas de guararema e ai, era o medo  quem se amedrontava.

Até mesmo os papa-fumos, que sobrevoavam as vertentes, me eram medonhos, quando, sob um sol escaldante que ainda não se temia, a gente ia buscar água para beber e dar de beber às cabras.

Da morte medo não havia, pois a coisa que se matava era a fome com taioba e mostarda brotadas do excremento que dos passarinhos caia. Outras coisas se compravam, não se roubava e vendia; o pecado da cobiça  e escassezes eram medos que ninguém lá conhecia.

Medos que mães sentiam eram da infância doençaria. Sarampo, febre alta e coqueluche que, para a proteção, recorriam aos chás das folhas de laranja da china e da cidreira, ao caldo de galinha e às benzedeiras; era com essa milagraria que as mães nos defendiam.  Dos venenos que mais elas temiam eram o da picada de cobra e o dos frutos que os filhos comiam, como arrebenta-cavalo e do mato outras porcarias.

Com os perigos bem vigiados e com o futuro por Deus garantido, o pior de todos os medos era o da vara de marmelo, quando boa coça se levava se em confusão a gente se metia. Meu mundaréu de medo de outrora não dou, nem vendo ou troco por este pavor de agora; por este ódio de gente que dispara a besteira da ganância e da vingança brutal, que nos vitima e nos responsabiliza por sua deformação ancestral, suas deficiências mental, ética e social.

Publicado com imagem em:
Pote de Poesias
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